domingo, 2 de maio de 2010

As pupilas cósmicas...

Pupilas Cósmicas
Quando vi teus olhos – pois há muito os havia olhado, sem vê-los, compreenda – vislumbrei, num sonho que, certamente, fora motivado por alcalóides, cenas hercúleas de uma realidade onírica.
Ah, imagine: enxerguei as estrelas. Lado a lado, os celestes, Castor e Pollux, os irmãos que compõe o Gêmeos astral. Olhavam para mim, cada qual à sua moda:
A orbe direita mostrava-se impetuosa; detinha uma inteligência própria e pervertida. De um brilho cerúleo sagaz, lançava, de sua intensa profundidade, ondas de refinada maldade. Ah, este era o meu Pollux. Maldosa e ofídica, aquela pupila negra perscrutava-me a alma, como se pudesse lê-la – e mais, eu podia sentir a diversão lasciva que a fazia me avaliar. Estremeci diante daquela flecha ótica, que era mirada na minha direção: pois não seria ela, certamente, capaz de perfurar-me a todo meu eu? Escapei-lhe pela tangente, esbaforido.
O olhar da esquerda era tão terrível quanto o anterior, mas à sua própria e excêntrica maneira. A íris confundia-se com a pupila, num maciço leitoso, tal qual uma pérola. Possuía alguma propriedade hipnotizante à que reconheci imediatamente: tratava-se de Castor, o segundo gêmeo estrelar. Mas, não me enganei, ele podia travestir-se de uma pureza senil, no entanto, soube, imediatamente, que aspirava ludibriar-me a ponto de encurralar-me e me sugar a alma para seu vil calabouço.
Não podia escapar-lhes, simplesmente: atraíam-me com uma força magnética contra a qual não se podia titubear.
Ah, mas se os acha terríveis opondo-se, deveria vê-los – ou, tanto melhor para ti, imagina-los – lado a lado, ombro a ombro. Horrorize-se: puseram-se a cantar! Uma melodia horrorosa de harpia, assombroso réquiem cósmico. A agonia, tal qual uma droga – ah, mais uma para saciar-me a insanidade! – espalhou-se imediatamente por toda fibra constituinte de meu ser.
Enlouquecido, senti a força do demônio se apoderar de meu corpo banhado em ira: cerrei-me o punho e, com ele, desferi meu golpe, atingindo os dois satanases em cheio!
Trincou o espelho. Partiu-se a imagem em diversos clones: cantantes e ainda – se não mais – terríveis! Sangue no punho. Canção retumbante descontrolada.
Oh, o ato final: logo poderá livrar-se desta insalubre imagem-canção, agradeça. Pus-me a rir. Ah, o espelho cantava nas vozes dos austeros geminianos. Mas agora sabia vencê-los e, por isso, gargalhava. Recolhi do espelho uma lasca. Ah, agora quem gritaria de dor seriam eles, pois não?
Com um único ímpeto, arranquei-me o olho direito, aspergindo sangue nas paredes. Hmm! Pude ouvir a canção de Pollux transfigurar-se em gritos de pavor!
Tão logo, novamente com o ensangüentado caco na mão, arranquei-me o olhos esquerdo, enchendo o ar do desespero de Castor. Agora não podia mais vê-los! Finalmente havia me livrado dos dois, e ria, ria descontroladamente.
O riso transformado em berro, as orbes em bolhas sacrílegas de sangue, o tu em mim.
Ah, dêem-me meus narcóticos – que hão de levar-me ainda ao cinturão de Orion – e deixem-me cantar a minha canção: a balada de Castor e Pollux, a constelação de gêmeos.

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