segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

fragmentos

'E pelo mesmo fato de se haver visto ao espelho, sentiu como sua condição era pequena porque um corpo é menor que o pensamento - a ponto que seria inútil ter mais liberdade: sua condição pequena não a deixaria fazer uso da liberdade. Enquanto a condição do Universo era tão grande que não se chamava de condição.
(...) Mas seu descompasso com o mundo chegava a ser cômico de tão grande: não conseguiria acertar o passo com as coisas ao seu redor. Já tentara se pôr a par do mundo e tornara-se apenas engraçado: uma das pernas sempre curta demais. (O paradoxo é que deveria aceitar de bom grado essa condição de manca, porque também isto fazia parte de sua condição). (Só quando queria andar certo com o mundo é que se estraçalhava e se espantava). E de repente sorriu para si própria com um sorriso amargo, mas que não era mau porque também ele era de sua condição. (Lóri se cansava muito porque ela não parava de ser).
(...) a condição não se cura, mas o medo da condição é curável.'

Uma aprendizagem ou O livro dos prazeres
Clarice Lispector